sábado, 7 de outubro de 2017

Vamos falar sobre danos morais?

                 O tema “danos morais” não é simples de se analisar, mas está em todos os lugares. Basta prestar atenção em qualquer conversa de rua: sempre se ouve a frase “isso dá danos morais”, ou “vou pedir danos morais”. Eu, particularmente, aprecio esta matéria por dois motivos. 
                 O primeiro é que quase todos os processos que tramitam onde trabalho tem pedido para reparar danos morais, qualquer que tenha sido a situação vivenciada pela parte que ajuizou a demanda. 
                 O segundo motivo é que este foi meu tema para minha conclusão do curso de Direito. Quando decidi escrever meu Trabalho de Conclusão de Curso, ouvi de vários professores que esse tema era “batido” para a área do direito. Mas descobri que quanto mais se pesquisa, mais novidades aparecem. 
                 E, no final das contas, meu tema “batido” obteve menção SS, com aplausos da minha banca examinadora (um dos momentos mais emocionantes da minha vida, sem dúvidas).

                 Tomando um rumo mais teórico sobre o tema, devo dizer que a discussão sobre o instituto abrange problemáticas sobre duas questões: em que casos pode-se afirmar que há danos morais e, sendo possível verificar que houve referidos danos, como quantificar o valor de algo tão íntimo e subjetivo.

Conceito

                 Antes de conceituar o que possa ser danos morais, cumpre apontar uma observação acerca da expressão “indenização por danos morais”. Segundo Wesley de Oliveira (2005, p. 5), o termo “indenização” significa tornar indene, ou seja, ausente de dano, o que não seria possível ao se analisar dano à moral de uma pessoa. Isto porque a indenização a danos materiais é facilmente imposta, bastando ao agente causador do prejuízo pagar o valor do bem que fora danificado. Porém, ao se tratar de danos morais, ainda que haja uma pena pecuniária ao ofensor, dificilmente o ofendido voltará ao estado que se encontrava antes do dano, como ocorre na indenização por prejuízo material. A pena pecuniária aplicada ao agente não tem cunho patrimonial, não visa reembolso de despesas ou lucros cessantes. Assim, a palavra “indenização” não está em consonância com o que o instituto representa, sendo apropriado o emprego da expressão “reparação por danos morais”, afinal, a condenação pecuniária não tenta afastar o dano causado, e sim amenizar a dor sofrida.
                 Analisando o dano moral como uma espécie de dano que surge da responsabilidade civil, importante definir o que pode ensejar sua reparação. A responsabilidade civil é conceituada como o dever jurídico que surge do descumprimento de uma obrigação preexistente, e que consiste na reparação do dano advindo desse descumprimento.
                 Essa noção de consequência entre descumprimento de obrigação e responsabilidade se revela no art. 389 do atual Código Civil brasileiro, no qual dispõe que “a obrigação não cumprida vincula o devedor ao pagamento de perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
                 Três elementos devem se fazer presentes para existir responsabilidade civil: um ato ilícito; um dano, que Pablo Stolze Gagliano (2010, p. 78) conceitua como lesão a um interesse jurídico tutelado, patrimonial ou não, causado por ação ou omissão de sujeito infrator; e o nexo de causalidade entre o primeiro e o segundo.
            Ao se analisar o que seja danos morais, há inúmeras definições doutrinárias e jurisprudenciais. Na lição de José de Aguiar Dias (2006, p. 972):
"...o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada. Para Savatier, é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, enquanto Pontes de Miranda diz que nos danos morais a esfera ética da pessoa é que é ofendida, enfatizando que o dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio".
                 Já o professor Sergio Cavalieri Filho (2009, p. 79/81) preconiza que o dano moral pode ser conceituado de forma negativa (ou seja, trata-se de toda espécie de sofrimento que não pode ser patrimonialmente contabilizado) ou positiva (como sendo a dor da alma, ou seja, vexame, desconforto, humilhação).
                 Como exemplo de definição negativa, cita-se aquela apresentada por José de Aguiar Dias (2006, p. 992): "quando ao dano não correspondem às características do dano patrimonial, dizemos que estamos em presença do dano moral". De igual modo, entende Maria Celina Bodin de Moraes (2003, p. 267), que o dano moral corresponde à supressão de vantagens não patrimoniais.
                Quanto ao conceito negativo de danos morais, Yussef Said Cahali (2005, p. 20/21), critica esta posição, pois entende que há uma ideia vaga trazida na exclusão, e afirma que esta classificação é insuficiente, conceituando dano moral como "tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado". Na mesma linha de pensamento, Antonio Jeová Santos (2003, p. 69) também adota uma definição positiva para danos morais, entendendo ser "a afetação da capacidade de querer, sentir e entender, que seja de modo negativo e prejudicial".
                 Outra forma de abordagem sobre o assunto está nos conceitos formulados pelos adeptos da doutrina do direito civil-constitucional, a qual acaba com a dicotomia “direito público X direito privado” e defende o princípio da dignidade humana como valor supremo da ordem jurídica, servindo de parâmetro para aplicação, interpretação e integração de todo o ordenamento jurídico.
              Sob a perspectiva desenvolvida por Maria Celina Bodin (2003, p. 84), tem-se a compreensão da dignidade da pessoa humana a partir dos postulados de Kant, desdobrando-se em quatro princípios jurídicos: igualdade, integridade psicofísica, liberdade e solidariedade, importando dizer que a violação a qualquer um destes princípios configurará o dano moral.
          Portanto, fazendo uma junção de conceitos, entende-se que o dano moral decorre de uma violação de direitos da personalidade, atingindo, em última análise, o sentimento de dignidade da vítima. Pode ser definido como a privação ou lesão de direito da personalidade, independentemente de repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero mal-estar, dissabor ou vicissitude do cotidiano.
           De acordo com a doutrina e a jurisprudência, o prejuízo imaterial é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito. Assim, o dano moral, de acordo com Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 77): "deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa... está demonstrado o dano moral".
                 Vale destacar a lição de Savatier, citada na obra de Caio Mário da Silva Pereira, acerca da responsabilidade civil, no Traité de La Responsabilité Civile, vol. II, n° 525 de 1989, ao dispor sobre o dano moral, que este:
"...é qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc". (PEREIRA, 1989, p. 115).
               Pelos conceitos explicitados, resta evidente que não são os aborrecimentos da vida cotidiana capazes de gerar uma compensação por danos morais. A ideia do legislador é muito mais profunda. Os danos morais traduzem–se em um sentimento de pesar íntimo da pessoa do ofendido capazes de gerar “alterações psíquicas ou do patrimônio moral do ofendido” (STF- RE nº 69.754-SP-RT 485/230). Ou seja, não ocorrem quando a conduta do agente causa apenas tristeza, incômodo ou aborrecimento.
                 Oportuno mencionar lição de Nehemias Domingos de Melo (2005, p. 51), ao explicar que o dano moral, por ultrapassar do íntimo pessoal, torna-se insusceptível de valorização pecuniária adequada, razão porque o caráter da indenização é o de compensar a vítima pelas aflições sofridas e de lhe subtrair o desejo de vingança pessoal.
                 São morais os danos experimentados por algum titular de direitos, seja em sua esfera de consideração pessoal (intimidade, honra, afeição, segredo), seja na social (reputação, conceito, consideração, identificação), por força de ações ou omissões, injustas de outrem, tais como, agressões infamantes ou humilhantes, discriminações atentatórias, divulgação indevida de fato íntimo, cobrança vexatória de dívida e outras tantas manifestações desairosas que podem surgir no relacionamento social.
                Nessa ordem de ideias, tem-se, pela técnica da especificação, que somente os reflexos negativos nas referidas esferas da personalidade constituem danos morais e, como tais, suscetíveis de reação defensiva ou reparatória que, a esse título, o direito permite, com cunho eminentemente compensatório para o prejudicado.
                 Utilizando-se destas construções doutrinárias, também o Judiciário criou seu conceito de dano moral, a fim de fundamentar as decisões sobre o instituto. Portanto, é predominante o entendimento na jurisprudência de que o dano moral decorre de uma violação a direitos da personalidade, atingindo, em última análise, o sentimento de dignidade da vítima. Insta destacar, por oportuno, trecho do voto do Ministro Cesar Asfor Rocha, quando do julgamento do Resp. nº 403.919/MG (4ª Turma, DJ de 04/08/2003), no qual destaca que dano moral: 
"…pode ser definido como a privação ou lesão de direito da personalidade, independentemente de repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero mal-estar, dissabor ou vicissitude do cotidiano. O dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado, capaz de gerar transtorno, desgaste, constrangimento e abalo emocional, os quais extrapolam o mero aborrecimento. Registro que o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando infundadas aflições ou angústias no espírito de a quem ela se dirige."
                 Por fim, de modo claro e absoluto, colaciona-se a lição de Antônio Jeová Santos (2003, pg. 110/113), o qual consegue finalizar de maneira brilhante a discussão acerca do conceito de danos morais, estabelecendo um limite entre o que se pode aguentar da vida em sociedade e o que transgride a esfera do sustentável e invade o íntimo do indivíduo:
                 O que se quer afirmar é que existe um mínimo de incômodos, inconvenientes ou desgostos que, pelo dever de convivência social, sobretudo nas grandes cidades, em que os problemas fazem com que todos estejam mal-humorados, há um dever geral de suportá-los. O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância, como exemplificados aqui, e que o homem médio tem de suportar em razão mesmo do viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.
           O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subsequente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lecionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu o dano moral passível de ressarcimento. As sensações desagradáveis, por si só, que não trazem em seu bojo lesividade a algum direito personalíssimo, não merecerão ser indenizadas. Existe um piso de inconvenientes que o ser humano tem de tolerar, sem que exista o autêntico dano moral.
             Portanto, os danos morais revestem-se de caráter atentatório à personalidade, e se configuram através de lesões a elementos essenciais da individualidade, cabendo ao magistrado analisar o caso concreto para dizer se há ou não dano moral.

Previsão normativa

           A reparação para a lesão ao patrimônio imaterial do indivíduo foi positivada somente com a Constituição de 1988, passando a ser possível a materialização da pretensão de uma reparação por dano exclusivamente moral.
           Assim dispõe o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, incisos V e X, a seguir transcritos:
           V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
           (…)
        X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrentes de sua violação.
           Com esta previsão positivada na Carta Maior, acabou-se qualquer discussão acerca da possibilidade de reparação por danos morais, atribuindo ao magistrado brasileiro a aplicação de uma indenização visando a reparação do dano imaterial, conforme destaca lição de Caio Mário da Silva Pereira (2001, p. 58):
           "A Constituição Federal de 1988 veio pôr uma pá de cal na resistência à reparação do dano moral. (...) E assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente em nosso direito positivo. (...) Com as duas disposições contidas na Constituição de 1988 o princípio da reparação do dano moral encontrou o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso direito positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em nosso direito."
                Portanto, mesmo após várias previsões históricas acerca do instituto, foi somente em 1988 que se tornou possível o pedido de reparação por dano exclusivamente moral.
                Após a promulgação da Constituição de 1988, editou-se a Lei 10.406, a qual institui o atual Código Civil, publicado no ano de 2002, que inseriu no campo da responsabilidade civil a obrigação de reparar os danos, ainda que unicamente moral. O art. 186 da referida legislação, dispõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
                Por sua vez, a obrigação indenizatória a quem cause danos a outrem tem espeque no art. 927 do mesmo dispositivo legal. Logo, ocorrendo o dano em razão da conduta do agente, consequentemente surge o dever de indenizar. Para que se configure a lesão não há que se cogitar da prova de prejuízo, pois o dano moral produz reflexos no âmbito pessoal do lesado, sendo impossível a demonstração objetiva do dano causado, em razão da dificuldade de se aferir esfera tão íntima do ser humano.

Considerações finais

                Com o advento da Constituição da República Federativa de 1988, a reparação por danos morais foi expressamente garantida no art. 5º, incisos V e X. Conclui-se, no entanto, que o tema abordado sempre foi objeto de inúmeras discussões, e que estas estão longe de serem encerradas. 
                É fato que a agressão a bens imateriais configura prejuízo moral, cabendo reparação pelo dano extrapatrimonial decorrente. Como a lesão é à esfera íntima do ser humano, a dificuldade em se analisar os casos concretos é evidente.
                Os danos morais revestem-se de caráter atentatório à personalidade, vez que se configura através de lesões a elementos essencial da individualidade. Ora, por essa razão é que recebe repulsa do Direito, que procura realizar a defesa dos valores básicos da pessoa e do relacionamento social.
                Sendo configurado o dano moral, passa-se à análise do quantum. A doutrina e a jurisprudência criaram critérios objetivos que deverão ser observados pelo magistrado para a fixação do valor: as circunstâncias do fato; as condições pessoais e econômicas dos envolvidos; a gravidade objetiva do dano moral; a proporcionalidade à lesão à honra, à moral ou à dignidade do ofendido; o efeito pedagógico e inibitório para o ofensor; a vedação ao enriquecimento sem causa do ofendido ou empobrecimento do ofensor; e a observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 

Agora que você já sabe o conceito complicado e jurídico de danos morais, quer ver como ele é aplicado na prática? Continue acompanhando as atualizações do blog.

Referências

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______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Data de acesso: 06/10/2017.

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